mulheres, feudo e renascença
Nem tudo
são trevas e, durante os primeiros séculos da Idade Média, antes da
reintrodução dos princípios do Direito Romano, as mulheres tinham alguns
direitos garantidos pela lei e pelos costumes. Quase todas as profissões, assim
como o direito de propriedade e de sucessão, lhes eram acessíveis. Há registros
até de mulheres da burguesia participando de assembléias, com direito a voto.
Demograficamente,
havia predominância do contingente feminino adulto na distribuição da população
por sexo. O afastamento dos homens era freqüente devido às constantes guerras,
longas viagens ou recolhimento à vida monástica. As mulheres assumiam os
negócios da família em sua ausência. Historicamente, a maior participação da
mulher na esfera não doméstica esteve
ligada ao afastamento do homem.
A mulher
participou das Corporações de Ofícios, atuando como aprendiz e, por morte do
marido, como mestre. O acesso às Corporações significou a possibilidade de
receber instrução profissional, direito que seria perdido nos séculos posteriores.
Nem tudo são flores e sua ascensão a mestre tinha restrições: viúva, só poderia
ocupar este cargo pelo período de um ano em alguns burgos e, em outros,
enquanto não mantivesse relações sexuais com outro homem.
Não era
incomum uma herdeira gerir sua própria herança, ainda que casada. Mulheres
economicamente autônomas, comerciantes ou exercendo outras atividades, aparecem
nos registros de Corporações e administrativos – independente de seu estado
civil. Participavam do comércio ao lado dos maridos e, viúvas, freqüentemente
permaneciam comerciantes.
Embora se
concentrassem em profissões como tecelagem, costura e bordados, há registros de
mulheres exercendo tarefas masculinas, como serralheria e carpintaria. A
indústria doméstica, ligada à tecelagem e à produção de alimentos, era dominada
pelas mulheres. Diversas vezes, essa indústria doméstica era a principal fonte
de renda ou complementação necessária do orçamento familiar.
Na Idade
Média, diferente do que acontecerá no Renascimento e na Reforma, o trabalho, as
artes e o conhecimento científico não eram considerados como valores em si, nem
eram instrumentos de ascensão social. O poder era monopólio da nobreza e do
clero e se baseava na posse da terra e na ascendência espiritual... então a
participação da mulher no mercado de trabalho não lhe conferia qualquer
prestígio social. Na educação, registros de mulheres freqüentando universidades
são insignificantes.
Apesar da
participação da mulher na vida social e econômica da Idade Média, a idéia que
prevaleceu foi aquela transmitida pelo romantismo: uma mulher frágil, à espera
de seu cavaleiro. Esta imagem por um lado exclui a grande massa de mulheres até
de uma representação simbólica e, por outro, reflete uma visão distorcida do
que seria o cotidiano da própria castelã. Existe uma defasagem entre a posição
concreta da mulher na vida cotidiana e a representação simbólica de seu papel (incrível como isso se repete, não? O presente está cheio de passado...).
No período
renascentista a posição da mulher sofreu um retrocesso. No feudalismo, seu
espaço de atuação política era maior, já que a política se realizava a nível
comunal. A formação dos Estados Nacionais e o processo de centralização do poder
significaram maior afastamento da mulher da esfera pública. Além disso, a
reintrodução da legislação romana implicou uma redução dos seus direitos civis.
Surgem restrições ao seu direito de adquirir bens por herança, reger seus
próprios bens e representar-se na justiça.
Se na Idade
Média a mulher atuou em praticamente todas as profissões, a partir do
Renascimento determinadas atividades se tornam gradativamente domínio masculino
e as Corporações de Ofício se fecham à participação feminina. Não houve um
afastamento da mulher da esfera de trabalho; sim formas próprias de sua
inclusão. Ela é totalmente afastada de determinadas atividades, como fabricação
de cerveja, serralheria e fundição, e tem presença significativa em certos
ramos de produção, como indústria têxtil em geral.
O trabalho
feminino passa a ser depreciado. Elas não deixaram de trabalhar, já que as
necessidades materiais e de sobrevivência sempre exigiram que o fizessem. A
desvalorização do seu trabalho se traduzia concretamente na atribuição de menor
pagamento à mão de obra feminina e encontra lógica no processo de acumulação de
capital, no qual a super exploração do trabalho da mulher (e do menor!) cumpre
função específica.
Diante de empecilhos,
a participação feminina no mercado de trabalho adquire peculiaridades. A partir
do século XVII e sobretudo no século XVIII, contingentes cada vez maiores de
mulheres passam a realizar trabalhos a domicílio, contratadas por
intermediários.
Neste mesmo período,
cresce o respeito pela ciência e a preocupação com a aquisição do conhecimento.
Porém, a educação feminina retrocede na preparação profissional e na formação
intelectual. Não há registros significativos de mulheres frequentando universidades
até meados do século XIX. O ensino público e privado se expande na Europa, mas a
defasagem entre o número de escolas masculinas e femininas segue imensa e se dá
em termos quantitativos e no que se refere à qualidade do ensino. O currículo
das meninas enfatizava o aprendizado das prendas domésticas e não as preparava
para o ensino superior, que geralmente sequer lhes era acessível.
É de se
estranhar que as primeiras vozes de contestação feminina registradas pela
história moderna tenham se dirigido contra a desigualdade sexual no acesso à
educação e ao trabalho?