de onde viemos
No
Ocidente, quem inventou o machismo oficial e institucionalizado foi a
democracia. Aquela democracia que todos aplaudem quando citam a Grécia Antiga.
No berço da democracia, a maioria da população era composta por escravos e a
mulher já ocupava funções compartilhadas com eles. Os trabalhos manuais,
desvalorizados pelos homens livres, eram executados por mulheres e escravos.
A função
primordial da mulher, em Atenas, era a reprodução da espécie. Além de gerar,
amamentar e criar os filhos, a mulher ateniense produzia o que era diretamente
ligado à subsistência do homem. Alimentação, fiação, tecelagem, trabalho agrícola.
A ágora na qual se desenvolviam
atividades consideradas nobres – artes, política, filosofia – era reservada ao
homem. A divisão do público e do privado já recebia valorações diversas lá na
antiguidade clássica.
A exceção
ao horizonte limitado da mulher grega eram as hetairas, cortesãs que cultivavam
as artes (o objetivo era tornarem-se agradáveis companheiras para os homens em
seus momentos de lazer). Falamos tanto da filosofia e do pensamento cultivado
pelos gregos e ignoramos que a mulher grega não tinha acesso à educação
intelectual. O único registro histórico de um centro para a formação
intelectual da mulher é uma escola fundada por Safo, poetisa nascida em 625 a.c.
Em Atenas,
ser livre significava ser homem, ateniense (estrangeiros
não!) e livre (escravos nem pensar!).
Nas raízes da democracia ocidental já há xenofobia. Deveríamos estudar história
do Ocidente para entender o que somos hoje, porém sem ignorar aquela parte da
história que diz respeito às permanências e continuidades das discriminações e
das exclusões que sobrevivem em pleno século XXI. Deveríamos ler mais.
Os
pensadores e os escritores de uma época são uma forma de conhecê-la. Mesmo em
obras de ficção ou artísticas, nos mostram como eram a sociedade e o pensamento
daquela época. Tucídides, ao narrar a Guerra do Peloponeso, nos mostra muito de
como era o pensamento na área de segurança, por exemplo. Deveríamos prestar
atenção nos detalhes, nas entrelinhas. Fazer leitura crítica de todas as coisas.
Contextualizar .
Platão
afirma que “se a natureza não tivesse
criado as mulheres e os escravos, teria dado ao tear a propriedade de fiar
sozinho” e assim nos diz muito de qual era a posição da mulher naquela
sociedade. Xenofonte, no século IV a.c., já utilizava argumentos naturalistas
e, para ele, “os deuses criaram a mulher
para as funções domésticas, o homem para todas as outras”. Não custa lembrar:
o homem que não era escravo e nem estrangeiro.
Para
entender o presente, é necessário entender o passado. Saber de onde viemos é
importante para interferir em para onde vamos.
Da mesma
forma que a Grécia não foi somente berço da democracia mas, também, berço
de exclusões que ainda permanecem... a Roma Antiga não foi somente berço do
direito moderno. O Direito Romano não era tão maravilhoso assim e, entre outras
coisas, legitimava a instituição jurídica do pater familias – a ele era atribuído todo o poder sobre mulher,
filhos, servos, escravos. Qualquer semelhança com a discriminação da mulher em
leis contemporâneas mundo afora será mera coincidência?
Diferentes
culturas, ao longo do tempo, utilizaram discursos institucionalizados para
assegurar a sujeição da mulher. Antigamente, como hoje, houve resistência. No
ano de 195 a.c., mulheres dirigiram-se ao Senado Romano. Motivo do protesto?
Sua exclusão do uso dos transportes públicos e a obrigatoriedade de se
locomoverem a pé. Era um privilégio masculino, do homem livre, utilizar o
transporte público.
Diante do
protesto, assim se manifestou o senador Marco Catão: "Lembrem-se do grande trabalho que temos tido para manter nossas
mulheres tranqüilas e para refrear-lhes a licenciosidade, o que foi possível
enquanto as leis nos ajudaram. Imaginem o que sucederá, daqui por diante, se
tais leis forem revogadas e se as mulheres se puserem, legalmente considerando,
em pé de igualdade com os homens! Os senhores sabem como são as mulheres:
façam-nas suas iguais, e imediatamente elas quererão subir às suas costas para
governá-los”.
O Direito
já aparece, em Roma Antiga, como instrumento de perpetuação da assimetria,
legitimando a inferioridade da posição social da mulher romana.
Cronistas
romanos registraram com surpresa a posição da mulher na Gália e na Germânia.
Eram sociedades tribais. Seu regime comunitário designava às mulheres um espaço
de atuação semelhante ao homem. Juntos faziam a guerra, participavam dos
Conselhos Tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas casas.
As mulheres funcionavam, também, como juízas (inclusive de homens!). Registros de outras sociedades desmistificam
a idéia de que a sujeição da mulher é um destino irrevogável, universal.
Exemplo
menos antigo? Ao chegar à América, cronistas europeus do século XVI se
surpreenderam com a relevância da posição da mulher entre algumas tribos,
sociedades de caçadores e coletores nas quais não havia uma divisão estrita
entre economia doméstica e economia social. Inexistia o controle de um sexo
sobre o outro na realização de tarefas ou nas tomadas de decisões. Nessas
sociedades, as mulheres participavam ativamente de discussões nas quais estavam
em jogo os interesses da comunidade.
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