as relações internacionais e as mulheres
Há concepções
teóricas das Relações Internacionais que chamam atenção para diferenças sociais
baseadas em gênero e nas quais se busca entender como o universo patriarcal
constrói discursos e práticas violentas nas relações entre os Estados e dentro
deles. Essas perspectivas enxergam a construção histórica das Teorias de
Relações Internacionais como uma experiência masculinizada.
As
fronteiras do Estado, a globalização e a militarização são exemplos de estruturas
criadas pelo discurso dominante masculino, que é reproduzido e justificado
pelas teorias. Se expõe a exclusão das mulheres do discurso teórico e a
construção sexista e androcêntrica das Relações Internacionais.
O debate
sobre a segurança internacional é central e a perspectiva feminista de
segurança questiona a visão tradicional voltada para a relação entre os
Estados, ao mesmo tempo em que volta a atenção aos indivíduos vítimas da
violência. Essa perspectiva critica a ausência da ótica feminina dentro dos
estudos de segurança internacional, traz a questão do gênero para as discussões
e chama atenção para a ideologia patriarcal por trás da violência e dos
discursos acadêmicos sobre o tema.
As diversas
formas nas quais as mulheres são vítimas de violências internacionais são
expostas. As violências podem ser diretas (como no caso de estupros), ou
estruturais (quando as mulheres são vítimas da exploração econômica ou são
impedidas de tomar decisões sobre si próprias, caso de países que obrigam o
controle de natalidade e de países que impedem que elas abortem).
Susan
Brownmiller, em Against our Will,
chama a atenção para o uso do estupro como instrumento de violência
internacional. A Convenção de Genebra reconhece o uso do estupro como arma de
guerra. Na Bósnia, ele foi usado sistematicamente como parte da limpeza étnica,
por exemplo. O estupro não é somente uma forma de violência de um grupo em
relação a outro: é mais uma forma de reafirmação da dominância masculina, que
objetifica a mulher e a transforma em pilhagem de guerra.
Além do
estupro, também a questão da violência doméstica raramente é expressa em termos
de segurança internacional. O avanço da defesa dos direitos humanos em nível
internacional, por outro lado, leva à consideração de que o direito da mulher é
universal e a violência em seu lar é, desse modo, um tema internacional.
Há também trabalhos
de investigação da questão de gênero na construção das estruturas de poder.
J.Ann Ticker, em Gender in International
Relations, expõe a construção masculino-sexista
das concepções realistas, marxistas e liberais das Relações Internacionais,
pois elas consideram dadas as estruturas patriarcais sociais do Estado e do
sistema internacional. Como alternativa, a autora propõe um processo de
inclusão, de baixo para cima, que inclua as experiências femininas dentro do
campo da segurança internacional.
Para quem
se interessa, autoras de perspectiva feminista pós-Guerra fria:
Cynthia
Enloe – um dos
grandes nomes do campo feminista das Relações Internacionais. Do seu trabalho,
depreende-se que a base para a high
politics é dada pelas mulheres como um todo, sejam elas esposas, namoradas,
prostitutas, trabalhadoras ou consumidoras.
Sua obra
clássica é Banana, bases and beaches.
Destaca a experiência das mulheres como centrais ao entendimento das relações
internacionais. Mostra uma visão sexista de sete arenas nas quais se realiza a
política internacional: turismo, nacionalismo, bases militares, diplomacia,
força de trabalho feminina na agricultura, têxteis e serviços domésticos. A
autora argumenta que a estabilidade do sistema econômico internacional depende
das relações políticas e militares entre os Estados que, por sua vez, dependem
de comunidades políticas e militares estáveis que são de responsabilidade de
esposas, namoradas, prostitutas e anfitriãs. No turismo, o uso da imagem das
mulheres facilita a venda de viagens e o turismo sexual aparece como mais uma
forma de dominação masculina internacional. Nas bases militares, as esposas dão
suporte aos maridos em longas missões no exterior e, como operárias e
consumidoras, sustentam o comércio internacional.
Em The morning after: sexual politics and the
end of the Cold War, a autora chama a atenção para o papel das mulheres
russas no final da Guerra Fria, em que as mães, cansadas dos sacrifícios de
seus filhos na Guerra ex-URSS-Afeganistão, passaram a deslegitimar o poder
militar soviético. Em relação à Guerra do Golfo, ela quebra com a tradicional
visão de aliados x Iraque, para contar a experiência de empregadas domésticas
filipinas que, vítimas da pobreza em seu país, foram obrigadas a procurar
trabalho no Kuwait e lá foram vítimas de abusos sexuais nas casas dos patrões.
Com a guerra, foram vítimas de estupros cometidos por soldados iraquianos.
Apesar de vítima, o Kuwait é criticado por ser um país agressor das mulheres,
excluídas da vida política e constantemente vítimas de agressões masculinas.
Jane S.
Jaquette – uma
leitura interessante de ser feita e, guardadas as devidas proporções,
relacionada à situação do Brasil atual, com várias mulheres entrando cada vez
mais na política.
Na obra Feminism and the challenges of the post-Cold
War, a autora mostra que, apesar da democratização pós-Guerra Fria que em
muitos lugares produziu um aumento das mulheres na vida política (especialmente
onde foram implementadas cotas), as políticas neoliberais continuam a
predominar e as mulheres estão longe de sua emancipação. A preocupação é que o
aumento da participação feminina na política ainda não produziu resultados
transformadores. Isso seria parcialmente explicado pela agenda
político-econômica construída ainda durante a Guerra Fria, na qual as mulheres
se tornaram adesistas ou radicalistas (procurando reformas mínimas dentro da
estrutura existente ou opondo-se a tudo que saía dos Estados). Para ela, é
preciso produzir rapidamente avanços que lidem com as crescentes desigualdades.