religião se critica sim!
Falar sobre sexismo e fé ainda é um tabu. No entanto, debater criticamente erros e acertos de religiões não significa desrespeitar a fé do indivíduo, mas não permitir que a violência contra qualquer pessoa seja aceita sob o abrigo das regras religiosas. Criticar as religiões não significa vetar o livre exercício da fé.
Deveria ser possível criticar religião sem ser acusado de intolerância religiosa. Todas as grandes religiões monoteístas, em maior ou menor grau, oprimem as mulheres. Todas colocam as mulheres em algum grau de subalternidade e subserviência em relação aos homens. Afirmar isso não é intolerância e tem respaldo histórico. Tem respaldo até mesmo nos livros sagrados.
A religião é fundamental para a ideologia da inferioridade das mulheres em todos os sistemas, das repúblicas às monarquias. É a religião que dá autoridade às crenças sobre a natureza essencialmente subordinada das mulheres e seus papéis naturalmente voltados ao mundo privado da casa e da família. É a religião que controla a sexualidade das mulheres, dizendo que ela deve ser modesta e que as mulheres não devem usar contracepção ou aborto para limitar a procriação.
Toda religião impõe restrições a mulheres, LGBTs e infiéis. Fundamentalistas apenas são mais violentos (e não são uma exclusividade do mundo islâmico!). Nas Cruzadas e na Inquisição, judeus e muçulmanos sentiram o fio das espadas cristãs ou arderam na fogueira simplesmente porque professavam outra fé. Assim como o Alcorão, a Bíblia e a Torá também tem trechos que são violentos e podem ser acusados de incitação à violência.
É verdade que Islã não é sinônimo de terrorismo. Mas sim, o Afeganistão pode servir de gatilho para criticar quaisquer religiões que se intrometam na política. Religião não deve interferir em governos. Na história da humanidade, sempre que a religião e a política se misturaram, houve sobreposição de direitos civis por crenças, houve opressão de mulheres e deviantes. O atual governo do Brasil tem mostrado um pouco disso com seu Deus acima de todos.
Quando começaremos a falar abertamente sobre como as religiões têm sido usadas, há séculos, para oprimir mulheres? E me refiro a todas elas, inclusive ao Cristianismo. Até quando as religiões vão permanecer intocáveis, sem qualquer questionamento?
Não dá para isentar as religiões das violências. O próprio Cristianismo queimou milhões de mulheres na fogueira acusando-as de bruxaria. Além disso, as narrativas das religiões, seus mitos fundadores, são construídos como forma sutil de opressão feminina. Maria, exaltada; Eva, maculada. Cada religião, cada cultura, tem sua versão da mulher ideal que é ensinada, empurrada para toda menina desde que ela nasce.
E se há socialização, há escolha? Há escolha se foram ensinadas de que isso é o certo? Dá para ignorar que homens não precisam fazer certas escolhas? A roupa das mulheres tem sim a ver com supressão de direitos. No Ocidente, mulheres já foram presas por usar calça comprida, biquini, mini-saia ou roupas masculinas (terno). Uma mulher fazendo, pode ser uma escolha. Milhões fazendo se torna uma questão coletiva e deve ser analisada de forma estrutural. O que as leva a fazer? Quem determina? Quais fatores influenciam nessa escolha?
Escolhas são influenciadas culturalmente - e religião influencia a cultura, tanto quanto influencia os fundamentalismos. O véu das muçulmanas, o Hijab, significa "cobertura, cortina ou biombo". A palavra tem origem no significado de "cobrir, proteger de estranhos".
No Alcorão a questão do Hijab é abordada: “...e não mostrem seus atrativos, além dos que (naturalmente) aparecem; que cubram o colo com seus véus…”; “Ó Profeta, dize a tuas esposas, tuas filhas e às mulheres dos fiéis que (quando saírem) se cubram com as suas mantas; isso é mais conveniente, para que distingam das demais e não sejam molestadas; sabei que Deus é indulgente, Misericordiosíssimo”.
Alá teria revelado estas palavras ao seu Mensageiro, o Profeta Maomé, ordenando a mulher crente a se cobrir com sua manta quando saísse de seu lar, de tal maneira que nenhum de seus atrativos ficasse visível; porque desta maneira sua aparência tornaria claro a todos, que ela era uma muçulmana, honrada, casta, pelo que nenhum hipócrita ousaria molestá-la.
Os fiéis muçulmanos identificam o Alcorão como a palavra sagrada, revelada ao profeta Maomé – equivalente à Bíblia, para os cristãos. Onde fundamentalistas (como o Talibã) encontram justificativa para forçar meninas a serem esposas? No Alcorão, o profeta Maomé tinha nove esposas e se casou com sua favorita, Aisha, quando ela tinha apenas 6 anos. O casamento, no entanto, não foi consumado até que a jovem completasse 9 anos.
Onde o Talibã encontra legitimidade para ter escravas sexuais? “Deus citou em exemplo um escravo que nada possui e em nada manda e um homem livre [...]. Podemos considerar os dois iguais? Não! Louvado seja Deus!”. Há citações no Alcorão que legitimam a escravidão: quando determina a aplicação da lei de Talião para os homicídios (escravo por escravo); quando reconhece a preferência por uma escrava crente no Islã sobre os descrentes; quando permite ao um homem ter as escravas que puder comprar, com o direito de ter relações sexuais com um número ilimitado de escravas e concubinas, inclusive as casadas; ou quando recomenda tratar os escravos com benevolência.
A aceitação explícita e implícita da escravidão está no Hadice, ou Hadith (coletânea de palavras e atos de Maomé, que complementa o Alcorão), quando prega a guerra contra aqueles que não aceitam a conversão ao Islamismo, sua captura e escravização, bem como quando recrimina as fugas dos escravos. Entretanto, a maioria das citações versa sobre a escravidão de mulheres. Por exemplo: não se deve açoitar a esposa, como se fosse uma escrava; o pai pode dar uma escrava ao filho, como um presente sexual.
Em Eclesiastes, diz-se que “Toda malícia é leve, comparada com a malícia de uma mulher; que a sorte dos pecadores caia sobre ela!“. Assim como no Alcorão, as passagens bíblicas corroboram que ela é sexista e violenta.
O Gênesis surge para desqualificar a mulher. No relato bíblico, a mulher recebe uma denominação a partir da existência do homem. Deus retirou uma de suas costelas, dando início ao surgimento da mulher. Adão ficará responsável por cultivar o Jardim do Éden e usufruir de seus benefícios, com apenas uma restrição: não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Tal mandamento foi transmitido ao casal. Então a serpente interpela Eva que, sozinha, é incapaz de exercer discernimento.
A serpente oferece o fruto à Eva, que, apesar de relutar, cede à pressão e acaba comendo, oferecendo o fruto também ao homem. A mulher cedeu à tentação sem qualquer senso crítico e não só comeu como fez com que seu marido desobedecesse. O relato bíblico coloca sobre a mulher a responsabilidade maior pela queda, posto que o homem se eximiu de sua responsabilidade, dizendo que sua esposa o fez comer do fruto proibido. A mulher foi ludibriada pela serpente e o homem, enganado pela mulher.
No Novo Testamento, uma mulher aparece como protagonista de alvo de sujeição às leis religiosas e morais dos homens, quando uma adúltera é pega em flagrante e levada ao tribunal improvisado de Jesus. Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos e disseram a Jesus: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres.” Jesus lhes disse: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra".
Apedrejar mulheres adúlteras. Interessante notar que em momento algum nenhum adúltero fora levado a julgamento, evidenciando mais uma vez o machismo disfarçado de moralidade na religião cristã. Esse apedrejamento chancelado pela Bíblia persegue a mulher até os dias atuais, pois seguem violentadas em seus próprios lares por serem adúlteras.
Os textos sagrados trazem muitos exemplos de narrativa sexista. A religião torna-se instrumento de dominação e opressão, passando ao homem, em sentido estrito, procuração para criar leis com embasamento divino, a fim de manter seu status dominante. A mulher, oprimida mesmo no exercício do seu livre-arbítrio ilusório, segue silenciada pelas regras da vontade de deus.
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