fake news não é liberdade de expressão
Em 2019, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que o direito à liberdade de expressão protegido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos não poderia ser invocado se as declarações se direcionam contra os valores da própria convenção. Seria o caso da negação do Holocausto, pois mentira deliberada para difamar os judeus e seus sofrimentos. Negar o Holocausto é como se fosse calúnia e difamação contra o povo judeu e sua história (calúnia e difamação, como se sabe, são crimes, não liberdade de expressão).
Mentira não é liberdade de expressão, portanto. No Brasil, a negação da escravidão e da ditadura cabem nesse argumento em relação à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, violando os valores da própria convenção. Negação da gravidade de uma pandemia, colocando a vida da população em risco, também viola os valores da convenção.
Falta responsabilizar o Estado por permitir que suas instituições, sejam quais forem, atuem contra a constituição do próprio Estado e contra as convenções internacionais das quais o Brasil é parte. Falta responsabilizar representantes do Estado que se posicionam contra os valores da nossa constituição.
Negar a gravidade da pandemia e pedir para o povo ir às ruas não é liberdade de expressão. Um presidente eleito democraticamente participar de manifestações que pedem fechamento do STF e do Congresso não é liberdade de expressão. Espalhar fake news para respaldar ações pautadas na ignorância não é liberdade de expressão.
Precisamos chamar as fake news pelo que elas são - mentiras. E, em alguns casos, crimes. Espalhar mentiras sobre pessoas, sobre povos, é calúnia, é difamação. Espalhar mentiras sobre saúde (como o movimento anti-vacina faz, por exemplo), deveria ser crime sanitário, contra a saúde pública, além de crime humanitário.
Mentiras inocentes espalhadas mil vezes geram dúvidas, geram novas verdades, ainda que falsas. É isso que o espalhamento de fake news faz: de repente, um idiota acredita que vacina causa autismo, depois mais um, outro, mais outro… e temos o retorno de doenças que estavam desaparecidas.
De repente, autoridades começam a dar mau exemplo, grupos começam a espalhar fake news sobre a pandemia e cada vez mais gente quebra o isolamento, diz que é uma gripezinha, que precisa trabalhar… O resultado já é, e será ainda mais, dramático, com tendência a crise humanitária.
Além dos indivíduos… as redes também deveriam ser responsabilizadas? São tão rápidas em apagar mamilos e em bloquear perfis ofensivos, sem analisar contexto… Por que deixam as fake news correrem soltas? Por que fake news sobre saúde não são imediatamente apagadas, como os mamilos?
Pessoas públicas e autoridades deveriam ter mais responsabilidade ao se expressar publicamente. Vocês tem o poder de influenciar pessoas – usem-no sabiamente, por gentileza. E, numa democracia, não se manda a imprensa calar a boca. A liberdade de imprensa é a expressão máxima da liberdade de expressão!
Nossa constituição afirma expressamente que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão restrições. A mesma carta afirma que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística e veda toda censura de natureza política, ideológica e artística.
A liberdade de expressão e informação atinge o grau máximo de sua tutela quando exercida pelos profissionais dos meios de comunicação (liberdade de imprensa). Numa democracia, é indispensável a existência da liberdade de imprensa como meio para conhecer os fatos que ali acontecem, o trabalho das autoridades, as ações e omissões de quem desempenha funções públicas - é isso que abre campo ao controle dos cidadãos sobre o poder político e, ao mesmo tempo, garante aos habitantes o respeito aos seus direitos ou à divulgação de sua vulnerabilidade.
Em muitos casos, a utilização dos meios de comunicação ajuda a gerar consciência pública e exercer pressão para que se adotem medidas visando melhorar a qualidade de vida dos setores marginalizados ou mais vulneráveis da população.
Mandar a imprensa calar a boca é coisa de quem desconhece sua função. Além disso tudo, ocupantes de cargos públicos em uma república deveriam ter o mínimo de educação, o mínimo de decoro... e dar o bom exemplo.
decoro
/ô/
substantivo masculino
- recato no comportamento; decência.
"d. no vestir, no agir, no falar" - acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor.
"é um indivíduo torpe, sem d., sem honra!"
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