o médico e o monstro


Brasil, um país no qual as pessoas confundem músculos desenvolvidos e barriga chapada com diploma de nutrição e medicina. País no qual doutores cheios de gratidão dizem pra não tomar leite porque o homem pré-histórico não tomava e porque lactose é venenosa. Por acaso o homem pré-histórico se enchia de suplementos, usava hormônios, fazia musculação, comia frango com batata doce e postava fotos na rede social?

Estes dias um tal doutor bumbum fez outra vítima. Um busca rápida por nome e CRM no google mostraria que imagem não é nada. Gente, peloamor aprendam a usar o google pra pesquisar os doutores (e os tratamentos!) aos quais vocês vão submeter sua saúde (e vida!). Quem, em sã consciência, acha normal se submeter a procedimentos num apartamento?!? Com um cara cujo grande atributo é ter muitos seguidores numa rede social?!? Oi?!?

Estamos tão obcecados pela perfeição física (vazia) a qualquer custo, que perdemos a capacidade de refletir e pensar criticamente?!? Emburrecemos e involuímos de vez enquanto espécie?!? Vivemos a trágica situação na qual apenas 22% dos brasileiros que chegam à universidade tem capacidade plena de ler e de se expressar, e isso contribui para a proliferação de charlatães e picaretas. Mas existe o tal livre arbítrio sabe.

Parem de fazer loucuras pela estética. Vão pra terapia - será mais útil e contribuirá mais pro seu autoconhecimento, sua autoaceitação e sua autoestima. Quando se põe a bunda na frente da saúde, se arrisca perder a vida. Avalie sua busca pelo corpo perfeito, veja se não está exagerando. E vamos assumir nossa parte nessa história sem vitimismo. Fazemos escolhas. Todos os dias, fazemos escolhas. E devemos assumir a responsabilidade por elas.

Uma geração que gosta de bater no peito e dizer que malha, que se preocupa, que cuida do corpo... mas que na verdade está em busca de soluções mágicas, fáceis e rápidas pra atingir seus objetivos (essencialmente estéticos). Uma geração hipócrita que diz ser saudável. Seus pais se mantinham magros na base do cigarro, das bolinhas, dos laxantes. Já eles, eles são viciados em intervenções estéticas e suplementos – pra dormir melhor, pra ficar malhado, pra emagrecer, etc. 



Outro dia um vendedor de uma loja verde tentou, de todas as formas, me empurrar suplementos. Eu estava ali pelo biscoito de arroz, ele queria me convencer que eu precisava de pílulas e pozinhos mágicos. Eu lhe disse que era tudo embuste sem nenhuma comprovação, ele se achava nutricionista e insistia que cada organismo é diferente pra tentar me empurrar os tais suplementos. Nunca mais volto na bioloja pseudosaudável. Posso comprar o biscoito de arroz em lugares menos insalubres.

A história do parágrafo anterior é verídica. Excentricidades da confusão entre músculos e conhecimento. Coisas da terra na qual a irresponsabilidade de profissionais de saúde mata gente diariamente. Nessa terra sem lei, o mínimo que devemos fazer é usar a tecnologia a nosso favor. Ao consultar o site do CFM, não há qualquer especialidade registrada pra muitos doutorzinhos famosos que se dizem especialistas até em curar a morte. Isso significa que eles nunca fizeram residência e não há garantias de que tenham formação decente no que praticam.

Teoricamente, profissionais de saúde deveriam usar seu conhecimento pra melhorar a vida das pessoas, seguindo a prática baseada em evidências e o princípio da não-maleficênciaprimeiro, não prejudicar. Esses profissionais não devem ser avaliados pela gratidão, vida perfeita, bíceps avantajados ou autoajuda barata. Devem ser avaliados por seu conhecimento e conduta ética. A verdade e a honestidade nem sempre levam ao caminho mais endinheirado e popular, mas é o que todos deveriam fazer. 

Buscar estética não é errado e ninguém merece morrer por isso. Mas enquanto houver quem siga e quem procure esse tipo de doutor, vai haver bandido agindo. Diante de uma justiça falha e incompetente, precisamos nos conscientizar. A busca desesperada por um corpo perfeito tem levado cada vez mais pessoas a aceitar qualquer loucura na esperança de se encaixarem no padrão. Zero gordura, zero celulite, zero defeitos. Muitos músculos.

Não se valoriza mais o próprio corpo? As pessoas fazem intervenções estéticas e restrições alimentares desnecessárias. Dietas loucas. Usam anabolizantes. Se entopem de manipulados. Testam cremes que queimam e transformam tudo. Gastam fortunas em tratamentos sem validade e por vezes perigosos. Caem na conversa dos picaretas bons de lábia que se dizem idôneos e honestos. Quantos mais vão precisar morrer?


ilustração de Mary Reid Kelley


Aprenda a pesquisar o CRM do seu médico no site do CFM AQUI. E faça um favor a si mesmo: em vez de seguir doutores e musas cheios de luz, siga a Carol e o Paulo. Abra sua mente 😉


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