mais um casamento real
Sobre o
casamento real: prefiro beber (ou assistir netflix). E, pessoalmente, não
gostei do traje da noiva. Mas não sou eu que tenho que gostar e Givenchy sob
medida não é para qualquer uma. Casar com um príncipe também não. Sinto orgulho
em não dar a mínima? Uma atriz americana do segundo escalão (irrelevante, portanto) se
casou com um homem que nunca será rei numa pequena ilha distante.
Um sonho:
que a falta de saneamento básico no Brasil ganhasse o mesmo destaque, por 24
horas, que o casamento do 6º indivíduo na fila para assumir o trono de uma
monarquia estrangeira. E isso não é uma crítica à monarquia ok. Por acaso é a
forma de governo, se república ou monarquia, que define algo? Compare
indicadores sociais de Reino Unido, Dinamarca, Suécia e Brasil e lembre-se:
privilégios aristocráticos podem ser imensos em republiquetas.
Falar de
casamento real geralmente é girar ao redor de futilidades, mas vamos lá.
Foi mesmo
um casório multicultural e multirracial ou este é o simbolismo que tentam dar?
Uma bela (e contemporânea, antenada 😉 ) família real e o reforço de sua
durabilidade, estabilidade, simbolismo, atualidade. Do que a noiva teve que
abrir mão para estar ali? Abriu mesmo? Ganho de popularidade para todas as
partes. E, enquanto seu comportamento deve se encaixar à realeza, sua voz se
amplifica. O aumento da exposição permite, entre outras coisas, ampliar engajamento
e ação social.
Casamento
com príncipe na vida real, uau! É possível. Fagulha de esperança. Falam de
plebe, mas a noiva já tinha um padrão elevado e frequentava as mesmas rodas de
famosos que Harry. Meghan não é a gata borralheira, desavisada e ingênua, que
virou princesa. Plebeia, mas não tão plebeia assim. Negra, mas não tão negra
assim. Um conto de fadas da vida real. No passado, era impensável uma atriz,
modelo e com raízes negras entrar para a família real. No presente, a noiva do novo continente chega para quebrar
padrões.
Divorciada
e rompendo protocolos, a noiva entrou sozinha na igreja. Pequenos passos
mudando o mundo? Nada mais empoderado do que uma mulher senhora de si, rumo ao
altar. Ela levou um reverendo negro e norte americano para a celebração e ele,
o reverendo, discursou e citou frases de Martin Luther King. "Precisamos
descobrir o poder redentor do amor. Quando o fizermos, faremos deste velho
mundo, um mundo novo." Fato inédito, o casamento teve um coral de
cantores gospel.
Entretanto,
simbologia e realidade são duas coisas diferentes. Nos últimos anos, o
Ministério do Interior britânico registrou aumento significativo dos crimes de
ódio, que incluem ataques a minorias raciais. Apesar do poder simbólico dessa
união, ela tem ou terá algum poder de influenciar positivamente a dinâmica
racial no Reino Unido?
A coragem
de entrar sozinha na igreja torna-se ainda mais louvável e poderosa (simbolicamente)
quando lembramos que o casamento em si é cheio de ritos e tradições. Realeza e
plebe compartilham costumes de uma das instituições mais patriarcais do mundo –
tem muita coisa para ser discutida e criticada sim, e isso não é uma crítica a nenhuma
mulher que casou de véu e grinalda, padre, pompa e circunstância... Mas façam
uma reflexão.
Por que o
vestido tradicionalmente é branco? Por que o pai leva até o altar e entrega ao
marido? Por que mulheres passam a usar o sobrenome do marido? Essas coisas são
uma escolha puramente pessoal? Por que são sempre mulheres que abrem mão de
suas carreiras e projetos por amor? Reflitam, ademais, sobre como em certas
culturas e países casamento é aval para homens adultos fazerem sexo com meninas.
Não dá para continuar vestindo carapuças e perdendo oportunidades de discutir
de maneira útil e saudável o que são escolhas pessoais e o que vem arraigado na
instituição casamento (da cerimônia
ao cotidiano).
Os casamentos
variam na história e nas várias regiões do mundo, mas algumas de suas características
são constantes. Há milênios, vivia-se em comunidade e a ideia de casal era
desconhecida. Ninguém era de ninguém e todo mundo era de todo mundo. Tudo indica
que o casamento surgiu com a propriedade privada – o homem queria ter certeza
de quem era seu filho para não deixar a herança para o filho de outro. O casal
é o pilar do casamento como o conhecemos (e os filhos o consolidam como
instituição e à família como célula mater da sociedade).
E fica a
provocação do pensador inglês Bertrand Russel (1872-1970),
que escreveu o seguinte: “O casamento é
para as mulheres a forma mais comum de se manterem, e a quantidade de relações
sexuais indesejadas que as mulheres tem de suportar é provavelmente maior no
casamento do que na prostituição.”
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