neste carnaval, aproprie-se
texto originalmente publicado AQUI
👉 substituindo turbante por acessórios de outras culturas dá na mesma 😉
👉 substituindo turbante por acessórios de outras culturas dá na mesma 😉
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Neste
carnaval, vai ter branca de turbante sim! Vai ter branca, amarela, preta… vai
ter turbante para quem quiser usar turbante. E, de preferência, não vai ter
gente apontando a inadequação do turbante alheio. No carnaval, inadequados são
o assédio, as brigas, os furtos, o consumo excessivo de álcool. Inadequada era
a Globeleza nua, reduzindo mulheres — e especialmente mulheres negras — a
corpo, sexo, objeto.
Fantasias
são apenas fantasias. O cara que hoje está no bloco vestido de mulher, na
quarta-feira de cinzas já estará sendo machista, homofóbico, transfóbico.
Diminui alguma violência contra mulheres e LGBTs proibir esse cara de sair
vestido de traveco? Ah, já faziam
algo semelhante nos carnavais medievais, por volta do século XI: no período
fértil para a agricultura, homens jovens que se fantasiavam de mulheres saíam
nas ruas e campos durante algumas noites. #badernafeelings
É para
cancelar os turbantes? Então comecemos cancelando o carnaval. Ele sim uma
apropriação cultural — e das mais bisonhas! Original da Antiguidade, virou
cristão, foi coisa de escravos e, hoje em dia, aceita até samba que passou pela
água sanitária para circular melhor na high
society. Quem quer criticar fantasias pois
apropriação cultural, devia pedir o cancelamento do carnaval — o dito cujo
faz parte das apropriações culturais patrocinadas pela religião cristã ao longo
da história.
As festas
que originaram o carnaval, na antiguidade, eram pagãs. Com o fortalecimento de
seu poder, a Igreja Católica buscou enquadrar tais comemorações. A partir do
século VIII, com a criação da quaresma, tais festas passaram a ser realizadas
nos dias anteriores ao período religioso. A história do carnaval passa pelo
Renascimento, pelas cidades italianas, pela commedia
dell’arte. Em Florença, canções foram criadas para acompanhar os desfiles,
que contavam ainda com carros decorados, os trionfi
(origem do carro alegórico?).
O carnaval
no Brasil se inicia no período colonial. Uma das primeiras manifestações
carnavalescas foi o entrudo, uma festa de origem portuguesa que na colônia era
praticada pelos escravos. Depois surgiram os cordões e ranchos, as festas de
salão, os corsos e as escolas de samba. Afoxés, frevos e maracatus também
passaram a fazer parte da tradição cultural carnavalesca brasileira.
Marchinhas, sambas e outros gêneros musicais foram incorporados.
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Turbante é símbolo dos negros? Também, mas não só (é simbolo de outros povos e culturas 😉). Então usem-no como símbolo (de resistência) cultural de vocês — e deixem o pessoal usar turbantes em paz 😉 |
Apropriação
cultural é coisa séria. É o que a igreja católica, com um empurrãozinho do
Império Romano, fez. Para melhor dominação de territórios, povos e culturas,
incorporou símbolos e festejos dos povos conquistados. Ou o que os EUA fazem,
contemporaneamente, em termos de política internacional, via poder brando
(poder brando é a capacidade de influenciar ou dominar sem uso da força; se dá
via diplomacia e atuação em organismos internacionais e via indústria
cultural).
Nos termos
em que tem sido discutida, não passa de discussão inócua, rasa e prepotente.
Essas polêmicas envolvendo turbantes e pertencimento geraram quantas vagas de
emprego onde negras não precisam alisar o cabelo para trabalhar? Quantas vagas
nas quais a boa aparência incluía ser negra? O turbante é a busca pela
valorização de sua identidade e seu uso serve para afirmar “Sou negra sim e com orgulho”? O turbante
é símbolo da resistência cultural de um povo, mas ele não é exclusividade da
cultura negra e africana.
A cultura
negra foi e continua sendo apropriada desde sempre, quando não foi ou não é
proibida. Os negros tiveram que adotar
santos católicos para poder praticar sua religião e hoje continuam tendo seus
templos atacados. Vários desses ritmos que servirão de pano de fundo para
festejos carnavalescos tiveram origem em algum ritmo africano que foi
apropriado e assimilado para melhor digestão do branco (ou do mercado). Muda
algo querer vetar outras cores de usarem acessórios? E em um mundo globalizado?
Que tal
discutir como manter as identidades dos povos em meio a globalização e como
combinar a participação em um mundo globalizado com a afirmação de suas
heranças culturais e pessoais? Pois se for para problematizar tudo e para
colocar o foco em indivíduos, até esse alfabeto latino que você usa para
escrever pode ser problematizado (no Brasil, ainda inclui problematizar a
apropriação de palavras do tupi enquanto se promoveu genocídio cultural
indígena).
A cruz, a
espada e a fome dizimaram a família selvagem, como diria Neruda. Por aqui, a
cultura indígena não foi apropriada pela cultura majoritária branca de raiz
europeia — ela foi destruída mesmo. No caso dos indígenas, o que há por aqui é
genocídio cultural, desde que o português chegou. Há, do verbo continua
havendo.
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