noite feliz

As primeiras canções natalinas das quais eu tenho lembrança são numa língua esquisita, impossível de aprender. Stille Nacht. Funkel Funkel Kleiner Stern. Oma as cantava com sua voz suave. Mulher educada, polida, doce. Oma morreu em 2004, em decorrência da progressão do Alzheimer, inimigo cruel, silencioso, lento, desconhecido, mortal. Nascida em 1921, não me atrevo a imaginar o que ela viu e viveu naqueles anos iniciais de sua vida, posteriores à ascenção de Mussolini na Itália e de Hitler na Alemanha.

Não posso mensurar quem ela foi e qual o tamanho de sua resiliência. Eu só soube um pouco mais de quem era aquela mulher depois que meu avô morreu, no início da adolescência. Opa morreu quando eu tinha 14 anos. No ano seguinte, Oma começou a apresentar sinais de Alzheimer na volta de uma viagem à Alemanha. Só entendi, de fato, o que significavam fatos soltos que eu conhecia da vida dela já adulta, na universidade. Gostaria de ter passado mais tempo com ela. Parte de sua história só conheci depois que ela se foi (seja pelo alzheimer, seja pela morte).

Em minhas lembranças, Oma costumava falar em alemão comigo. No dia em que ela faleceu, eu tinha uma apresentação de dança (que não faltei nem adiei). Brindei à sua libertação com uma das danças mais verdadeiras que já dancei até hoje. Coloquei para fora todo aquele sentimento de alívio. Aquela já não era mais a minha Oma desde que ela havia esquecido o português. O Alzheimer tem essa capacidade de transformar corpos em pessoas vazias, em sombras do que foram.


Oma foi hóspede em campo de concentração, perdeu a família, conheceu Opa e casou após a guerra, veio com a cara e a coragem para um país estranho do qual não falava nem a língua. Ao pensar na história dela, sou grata. A gente quebra por bem menos. Ficamos azedos, amargos, rancorosos por bem menos. Nos tornamos agressivos ou frios por menos. Ela não, ela era aquela mulher forte, sensível.

A maior lição que ela me deixou talvez seja essa. Resiliência e amor. Cultivar o que é certo. Deixar para trás o que é errado. Transformar a raiva, o ódio... em algo mais, além.

A mensagem é de renascimento do espírito e construção de uma nova consciência, aproveitando a experiência terrena de forma plena.  

Gratidão pelo despertar.




EN
The first Christmas songs I remember are in an odd language, impossible to learn. Stille Nacht. Funkel Funkel Kleiner Stern. Oma used to sing them in her soft voice. Educated, polite, sweet woman. Oma died in 2004, as a result of Alzheimer's progression, a cruel, silent, slow, unknown, deadly enemy. Born in 1921, I can’t imagine what she saw and lived in those early years of her life, following the rise of Mussolini in Italy and Hitler in Germany.

I can’t measure who she was or the size of her resilience. I only learned a little more about who that woman was after my grandfather died in my early teens. Opa died when I was 14 years old. The following year, Oma began to show signs of Alzheimer's when returning from a trip to Germany. I only truly understood what some facts meant in my early adult life, at university. I wish I had spent more time with her. Part of her story I only knew after she was gone (either by Alzheimer's or death).

In my memories, Oma used to speak German with me. The day she passed away, I had a dance performance (which I did not miss or delayed). I toasted to her liberation with one of the truest dances I have danced until today. I put out all that feeling of relief. She was no longer my Oma since she had forgotten Portuguese. Alzheimer's has this ability to turn bodies into empty people, into shadows of what they were.


Oma was a guest in a concentration camp, lost her family, met Opa and got married after the war, came to a strange country of which she didn’t even spoke the language. When I think of her story, I'm grateful. We break for much less. We get sour, bitter, rancorous for much less. We become aggressive or cold for less. Not her, she was that strong, sensitive woman.

The greatest lesson she left me might be this. Resilience and love. Cultivate what is right. Leave behind what is wrong. Transform anger, hate... into something else, beyond.

The message is of rebirth of the spirit and building of a new consciousness, fully enjoying the experience on Earth.

Grateful for the awakening.