como assim 500 mil?

 MEIO MILHÃO DE MORTOS!


Como fica a saúde mental de alguém que vive no Brasil em 2021? Mais de 1 ano e meio de coronavírus e o país continua longe de controlar a pandemia, distante de controlar e abaixar as milhares de mortes diárias. Estou absolutamente estarrecida e horrorizada com o que se mostrou ser a sociedade brasileira. Decepcionada em observar até mesmo amigos (via redes) agindo como se nada houvesse. A banalidade do mal é, também, banalizar a morte?


Invisível para muitos, a maior tragédia sanitária da história brasileira virou uma estatística. A ilusão da volta ao normal esconde uma espécie de negação coletiva? Somando a maneira como o governo federal conduz a situação, a aceitação social e os aspectos culturais... Dá nisso. Deram azar. Quem tem comorbidades acabaria morrendo mesmo. São os desígnios de Deus. O ritmo diário das mortes não choca ninguém? A vida continua diariamente, ordinária.

Cada vez mais entendo como foi possível acontecer o Holocausto. Trem de gado lotado após trem de gado lotado, ninguém se importou com os milhões enviados aos campos. Eram judeus e deviantes e, como tal, valiam menos do que gado. É inacreditável que tantos tenham atravessado a Europa em trens rumo aos campos e o mundo não tenha feito nada. O mundo assistiu calado, omisso. Como é inacreditável a tragédia desenhada em território brasileiro enquanto assistem omissos, em silêncio.


O que está acontecendo não é nazismo e precisamos parar de chamar qualquer um de nazista. O que está acontecendo tem muitas semelhanças com regimes totalitários como o nazismo e o fascismo, mas é algo novo, diferente. Mistura Deus e populismo com militarismo. Teimamos em repetir a história de uma forma burra e ingênua. Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos?


O país vive a banalização da morte faz tempo. A banalidade do mal na prática diária. Ninguém liga se a polícia mata periféricos. Quem se importa com 60 mil homicídios? E 60 mil estupros? E daí?, dizem os brasileiros todos os dias, ao conviver de maneira tácita e cômoda com absurdos absurdantes. E daí?, dizem diariamente ao tolerar o intolerável. É só mais uma favelada. Bandido bom é bandido morto. Ela estava vestida como piranha. Bebeu. A mentalidade é de desumanização e indiferença. A aplicação da banalidade do mal na prática, diariamente.


Por que a surpresa? Do que podemos chamar a indiferença da população às mais de 500 mil mortes oficiais? Cada vez se importam menos. Um número, uma estatística. Tal qual eram indiferentes aqueles que assistiram ao estabelecimento dos campos de concentração e aos trens cruzando a Europa cheios de gente que nunca mais retornou.


É assustador assistir à história acontecendo. MEIO MILHÃO de mortos! Quantas famílias órfãs? Parte dessas perdas poderia ter sido evitada. Parte das perdas futuras pode ser ser evitada com liderança, união, propósito? Ultrapassamos 500 mil mortes! Apesar disso, cenas de pessoas que vivem como se nada estivesse acontecendo são cada vez mais frequentes. Vão vivendo como se nada houvesse. Que anestesia é essa? Uma sociedade que tolera mais de 500 mil mortes numa boa, vida que segue... é o quê?


Não caiu a ficha? Meio milhão e é como se os cadáveres fossem só números. Continuam sem noção de coletividade. Enquanto pais, mães, filhos e avós morrem intubados ou esperando vagas em UTIs, irresponsáveis e idiotas desfilam sua soberba cafona como se nada houvesse. Prioridades. Foda-se a vida. E daí? Pugliesi-se! A vida continua e vão levando.


Ninguém percebe como a banalização da morte nos trouxe até este momento histórico de transição para algo que ainda não sabemos bem o que é?


A indiferença abre espaço para o ódio. Tenho medo do que está acontecendo no Brasil. O ódio ao estrangeiro, ao outro, deu origem a muita coisa ruim na história da humanidade. Ele aflora em momentos assim, em crises como a que vivemos há alguns anos.


Na era das fake news e da disseminação do ódio, a sensação é de déjà vu. É diferente de tudo que já vimos. E é, em grande medida, semelhante às coisas que já vimos. Discursos de ódio aumentaram. Permitiremos que estes discursos sejam normalizados ou os rejeitaremos? Foram as fake news sobre os judeus que permitiram as atrocidades cometidas pelos nazistas. Cidadãos comuns participaram, denunciaram, silenciaram. Quem estamos escolhendo ser nessa história que está sendo escrita?


Desinformação e ignorância custam caro. Em vidas e economicamente. A Covid vai persistir em lugares que ignoram a ciência. Somada à falta de testes e à pobreza, a resposta do governo à doença contribuiu para que o país esteja no pódio dos mais afetados pela pandemia. A perspectiva é que o número de mortes continue alto nos próximos meses. A triste constatação é que somos um país resignado diante da morte. Banalizamos o E daí? antes que ele ecoasse pelo cinismo do líder. Agimos com egoísmo faz tempo.


Levianos, seguimos.





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Você acabou de ler alguns excertos de um ebook que escrevi ao final de 2020, quando o Brasil ainda não tinha alcançado 200 mil mortos.


No ebook Für Oma, traço paralelos entre o confinamento da minha vó no século 20 e meu confinamento em 2020. Ela na Alemanha nazista, eu na capital de um Brasil neopentecostal sem rumo. É sobre minha família, mas também é uma crítica social.