foda-se a vida
Para comemorar o Dia dos Pais, ultrapassamos 100 mil mortos. Quantas famílias órfãs? Parte dessas perdas poderia ter sido evitada. Parte das perdas futuras pode ser evitada com liderança, união, propósito?
Estou cansada. Esta semana a peste chegou ao meu prédio. A síndica avisou que temos caso confirmado de covid. Há poucos dias, fui chamada de grossa. Risos. Porque pedi a vizinhos que ao menos usem máscara se vão continuar se reunindo nas áreas comuns. Não basta ser pandemia, tem que existir gente que acha normal se aglomerar para ficar conversando (sem máscara!) nas escadas.
O país passou das 100 mil mortes! Apesar disso, cenas de pessoas que vivem como se nada estivesse acontecendo são cada vez mais frequentes. Gente sem máscara. Gente sem distanciamento. Deputados fazendo reuniãozinha para discutir vacinação em massa de uma vacina inexistente que todo dia é exaltada pela mídia.
...100 mil mortes (oficiais), e os piadistas discutem coisas que não existem. Quem veste o nariz vermelho?
Vivo num país com falta de testes e subnotificação e, ainda assim, morrem mais de mil pessoas oficialmente por dia durante semanas. E tudo bem. Vamos vivendo como se nada houvesse. Imunidade de rebanho significa ser tratado como camundongo de laboratório e gado indo pro abate ao mesmo tempo. E tudo bem. Que anestesia é essa? Uma sociedade que tolera mais de 100 mil mortes numa boa, vida que segue... é o quê? 🤔
Estou cansada. Faz meses que não aguento não aguentar mais. Mais de 140 dias saindo somente para o que é necessário. Mercado. Farmácia. Uma caminhada isolada no sol de vez em quando. MAIS DE CENTO E QUARENTA DIAS que vão continuar se estendendo... Tá no picadeiro, é para ser feito de palhaço.
Estou cansada de viver num país de tolos, burros e arrogantes. O que tem salvo meus dias quarentenados é a arte. Os livros. Os filmes. As séries. Ouvir música e dançar com fones de ouvido (para não incomodar o marido nem os vizinhos). Ligar o pisca pisca de natal fora de época para fingir que estou numa festa. Arte salvando esse isolamento. Salvando esse cansaço.
Pausa dramática. Mas é a exaustão de uma vida no circo.
Você aí que também está isolado há um tempão, sem perspectivas de sair dessa: o que tem salvo seus dias? Você de vez em quando também tem vontade de sair metralhando todo mundo que vê sem máscaras ou se aglomerando? Puta merda sabe...
Cansada dessa gente ruminante. Não são só pobres ou ignorantes. São todos. Gente que posa de consciente e saudável enquanto posta stories de festinhas com amigos ao estilo Pugliesi. Gente que corre para salão de beleza, esteticista, academia (lhes faria melhor correr para a terapia...). Gente que faz carreata para pedir volta às aulas. Uma gente fútil, mofada, cafona, vazia. Do crème de la crème da alta sociedade ao periférico. Um país de ruminantes.
Estou exausta.
Não caiu a ficha? Oficialmente, são mais de 100 mil mortos. Em progressão ascendente. Daqui a pouco, serão mais de 200 mil. E mais de 300. 400. Se nada for feito, não adianta brigar com a realidade. Fazer algo depende do governo, mas também depende da gente.
Infelizmente, brasileiro não tem senso de coletividade. 100 mil e é como se os cadáveres fossem só números. Continuam sem noção de coletividade. Enquanto pais, mães, filhos, avós morrem intubados ou esperando vaga numa UTI lotada, irresponsáveis e idiotas desfilam sua soberba cafona como se nada estivesse acontecendo. Prioridades. Foda-se a vida. E daí? Pugliesi-se! A vida continua e vamos levando.
Ultrapassamos (oficialmente) a marca dos 100 mil. São famílias que perderam alguém. É uma tragédia inominável. Porém, era previsível. Embora tivesse tido tempo de se preparar, o país reagiu à chegada da pandemia de forma descoordenada e ineficiente, perdendo o controle sobre a disseminação do vírus. Quem deveria coordenar os esforços nacionais preferiu fazer pouco caso da pandemia e dar cloroquina até para emas.
A epidemia continua se agravando e, em vez de reconhecer os próprios erros e começar a trabalhar para proteger a população e recuperar a economia, os adultos irresponsáveis continuam jogando war. Para ajudá-los, contam com a cumplicidade de parte da população, que faz questão de pensar com o umbigo e jogar o conceito de coletividade no lixo diariamente.
Estou cansada. Quando eram italianos morrendo na TV, tínhamos aplausos e todo mundo comovido, em casa. A doença foi se popularizando e ninguém se choca. Quanto mais gente morre, mais gente vai para a rua? Mais atividades são flexibilizadas?
Não temos pronunciamentos oficiais, não temos ministro da saúde, não temos rastreio de contatos, não temos testagem em massa, não temos estratégia federal, não temos uma série de coisas que, a essa altura, já deveríamos ter. Em compensação, temos babacas (em todas as classes sociais) que veem 100 mil mortos e, mesmo assim, insistem em suas festinhas.
Como não estar cansada?
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