o museu virou pó


Essa semana o museu mais antigo do Brasil sumiu. Virou pó. Pegou fogo numa sequência tragicômica de erros cujo ápice foi a seca: bombeiros chegaram lá e não encontraram água no hidrante. Muita coisa levou a essa situação vergonhosa. O último presidente que visitou a museu foi Juscelino. Eterno descaso com patrimônio e história. Sucessivos cortes de orçamento. Deu no que deu.

Tragédia anunciada. Tem matéria jornalistica de 2004 já falando sobre o risco de incêndio. Em mais de uma década, nada foi feito. De repente, criam comissões e arranjam milhões – tudo perfeitinho para ser prontamente desviado pelas novas burocracias estatais. Eu vejo um museu de grandes novidades nas discussões sobre as cinzas do museu. Procuram-se culpados e desviam-se responsabilidades.

Esse modelo de gestão que coloca o museu subsidiário da universidade, dependente da boa vontade de um reitor numa instituição falida... esse modelo não pode dar certo. O incêndio que consumiu Luzia revela que o país renunciou a zelar pelo saber. O Brasil não tem memória, sofre de demência e precisa ser interditado. Judicialmente. Obrigado a se divorciar do jeitinho. Levar vantagem em tudo está no DNA?

Precisamos declarar independência desses velhos padrões que nos trouxeram até aqui. O clientelismo. O imediatismo. O patrimonialismo. A deseducação. O jeitinho. O preocupante é que não parecemos dispostos a isso. Quem está disposto a abrir mão de seus privilégios em prol de uma sociedade mais igualitária, mais segura para todos? Quem?

Moro na mesma cidade que aqueles frequentadores de parlamento, ministros de tribunais superiores, promotores, procuradores... é um disparate que ganhem aqueles salários e ainda auxílio moradia. Carros. Montes de funcionários à disposição. E outros penduricalhos. Dá para ir de bicicleta até a praça dos 3 poderes 👍  Não estamos falando de bairro periférico. Eles viveriam muito bem, por aqui, com menos de 15 mil. MUITO bem.

O estado não tem que me dar carro e motorista que me levem até o trabalho. Ele tem que garantir que eu possa chegar até o trabalho em segurança e de forma ágil, e só – seja de carro, ou de transporte público, ou de bicicleta... o estado tem que investir nisso. Eu que me vire e escolha a melhor forma de chegar ao trabalho de acordo com minhas capacidades, necessidades e conveniência.


Sugiro aos donos do poder do estado brasileiro, estejam eles em algum dos 3 poderes ou não, que cortem seus próprios privilégios e invistam seriamente, para ontem, em educação, saúde, estrutura, saneamento... A violência já chegou à porta de vocês. O roteiro do Brasil está traçado e está escrito em escarlate?

A destruição do museu não tem solução e o preço que o Brasil paga pela negligência de seu patrimônio histórico e cultural é enorme. A falta de atenção às coisas que formam a coluna vertebral de um país (e a cultura é uma delas 😉) provoca danos irreparáveis. Queimamos o quinto maior acervo do mundo. Queimamos murais de Pompeia, um dos únicos sarcófagos no mundo que nunca foram abertos, a primeira brasileira, etc.

O custo de manutenção de um juiz federal por ano manteria o museu. Questão de prioridades, tanto quanto de má gestão. Negligências criminosas por anos e anos e anos. A história não tem valor e a ignorância responde à lógica de sistemática destruição do passado como instrumento de poder.

A destruição do passado foi eficaz durante a escravidão: os proprietários tiraram dos escravos seus nomes, suas línguas e suas religiões. Metade dos escravos que cruzaram o Atlântico vieram para cá – e não falamos da escravidão, nem das suas consequências que reverberam ainda hoje. A extinção da história não é coincidência. Para um povo sem memória, é possível vender tudo (até que um museu de 200 anos virou pó graças a pífios 2 anos de má administração pública 😉😅).

Todos os nossos sucessivos governos deveriam fazer uma autocrítica. O descaso em relação a espaços culturais e de memória é regra. Todos os governantes das últimas décadas, em níveis federal e local, são cúmplices. A sociedade que os elege e que no dia a dia desrespeita leis e vive o jeitinho... essa sociedade também é cúmplice. Só é possível avançar o debate quando todos assumirem suas responsabilidades.

Esse incêndio é só a metáfora do nosso colapso enquanto sociedade. Todas as vezes que dirijo, me deparo com um show de horror e desrespeito entre nós e às nossas leis. O incêndio é o retrato de uma sociedade que nos microrrelacionamentos e no cotidiano vigora a malandragem. Deixar tudo malandramente crescer ao ponto constrangedor de desaparecer água dos hidrantes... isso requer mais do que omissão.

Incêndios podem acontecer. Mas faltar água para apagar o fogo requer cinismo. Requer desejo, burrice, negligência, estupidez, ignorância. O  país segue negligente com seu passado, suas origens, sua cultura. Como se deixa isso acontecer? Esse fogo foi quase uma encenação viva da nossa tragédia.




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