a culpa também é sua

No dia 07 de janeiro o Brasil ultrapassou a marca de 200 mil mortos (oficiais!) pela Covid-19. Número altíssimo, especialmente se considerarmos a sub-testagem. E ninguém liga. Os bares estão cheios. As praias estão cheias. As festas particulares se multiplicam e seguem cada vez mais cheias. Foda-se a vida é o que dizem todos, diariamente. Do presidente ao faxineiro. 

Que não se importem com o próximo é o esperado numa sociedade que já não se importa com as violências cotidianas às quais todos estão expostos (alguns mais, outros menos, dependendo do grau de vulnerabilidade social). Porém, é mais surreal e distópico: não se importam consigo mesmos, não têm senso de autopreservação. Não tem nem medo de morrerem ou ficarem com sequelas sérias, caso peguem a doença?


País afora, o que se vê é: bares e restaurantes cheios (com mesas próximas demais umas das outras); gente sem máscara (ou com nariz de fora, ou no queixo, ou pendurada na orelha…); falta de distanciamento; festas em casa de amigos; viagens para praias lotadas ou cidades pequenas; baladas… tudo normalmente, como se nada houvesse. É de cair o cu da bunda!


Onde foi parar o senso de responsabilidade, a empatia, o respeito? É doloroso constatar o quanto o ser humano é egoísta e não enxerga além do próprio umbigo. E há quem ache, genuinamente, que não se pode questionar - afinal, a culpa é do bípede circunstancial que nos preside. Assim eximem-se (todos) de suas responsabilidades, individuais e coletivas. Ao não reconhecer a banalidade do mal em si, a sociedade exime-se de suas responsabilidades.


Apontar o dedo para bodes expiatórios retira nossa responsabilidade (individual e coletiva) da tragédia. É mais fácil. Mais cômodo. É a infantilização da sociedade.


Para evoluir é necessário admitir que colocar a culpa no governo não explica (o comportamento) quando se fala de bairros nobres, de gente com curso superior, com tempo disponível e acesso à informação, etc. Colocar a culpa por tanta gente se comportar como se não houvesse pandemia no governo é infantilizá-los e eximir-lhes a responsabilidade pelos seus próprios atos, pelo seu livre arbítrio. 


É de cair o cu da bunda, em bairros nobres, ter gente sem máscara e sem distância em TODOS os lugares. Até na farmácia! Essa gente escolhe não fazer o certo. Como, aliás, boa parte das massas, em boa parte do mundo, escolheria, ainda que inconscientemente, em lugares onde ninguém fiscaliza nem educa ou pune. E é aí que entra o papel dos líderes (e das pessoas públicas e formadores de opinião).






No caso do Brasil, para azar de todos, o governo é o primeiro a romper o pacto social. O primeiro a não exercer suas funções de informar e de eficiência na gestão da coisa pública. O primeiro a agir contrariamente ao interesse coletivo. Para azar de todos, rasga-se o contrato social a partir de cima, diariamente, enquanto o vírus se espalha e mata cada vez mais gente. 


Líderes mundiais se vacinam em frente às câmeras. No Brasil, o chefe do executivo impõe 100 anos de sigilo ao seu cartão de vacinação e fala dos efeitos colaterais da vacina (e não da importância dela). O presidente faz campanha anti-vacina, se nega a usar máscara, promove aglomeração, faz propaganda de remédios milagrosos sem eficácia, coloca no ministério um general em vez de um médico, etc. No Brasil, quem deveria liderar a reação à pandemia desinforma (e precisa ser responsabilizado!).


Somos um desastre, com gestão inadequada da pandemia e sem plano nacional de imunização que se preze. A culpa dessa situação dramática que vivemos é do governo federal.


Precisamos de vacinação em massa e o governo segue incapaz de liderar o país. Uma campanha de vacinação só tem sucesso quando ela é aprovada e aplicada pela maioria da população. Os brasileiros precisam se conscientizar. E cabe ao governo informar corretamente às pessoas sobre a importância da vacina. Uma pandemia só pode ser debelada quando a sociedade entende que o ato individual (como se vacinar ou usar máscara, por exemplo) diz respeito à toda coletividade.


Além da vacinação, é preciso que os brasileiros se conscientizem e façam distanciamento, lavem as mãos e usem máscaras. A questão é sanitária, não ideológica. Quem deveria liderar o país no enfrentamento correto da pandemia se recusa a fazê-lo e vai ficando tudo largado ao léu, salve-se quem puder. Resta a cada um, individualmente, fazer sua parte. Use máscara. Pratique o distanciamento. Se isole na medida do possível. E, quando a vacina chegar, vacine-se. A decisão de cada um impacta a todos.


Todos queremos retomar nossas vidas - para isso precisamos, todos, cada um individualmente, fazer nossa parte. Pensar no outro e em si.





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No ebook für Oma, falo sobre Hannah Arendt e a questão da banalidade do mal, e também sobre nossa responsabilidade enquanto sociedade. No texto, traço paralelos entre o confinamento da minha avó na Alemanha nazista, e meu confinamento hoje, no Brasil. É sobre minha família, mas também é crítica social. Disponível para download AQUI.