o pior ainda está por vir
O coronavírus é a segunda maior pandemia da atualidade. A maior é a ignorância - que foi e continua sendo alimentada por autoridades, pessoas públicas, gurus e líderes religiosos que precisam ser responsabilizados por seus atos, por colocar a população em risco. Estamos em meio a uma crise internacional de saúde pública com consequências econômicas gravíssimas - e há quem ainda chame de gripezinha e diga para as pessoas se reunirem na igreja.
O coronavírus só é invisível para quem não quer vê-lo. O que está acontecendo agora é só o prenúncio do que vem pela frente. Não sabemos ainda qual será o impacto da crise econômica, sanitária e institucional no Brasil e no mundo. Os impactos sociais, políticos e econômicos da pandemia apontam para uma espiral de desconstrução sem precedentes. Não sairemos dessa como entramos.
Frente ao tamanho da crise que se desenha, a atuação de algumas autoridades é, sim, uma ameaça maior à população brasileira do que a própria pandemia. Não adianta o ministro da saúde pedir isolamento e não adianta governadores cancelarem eventos públicos, se vai lá o bípede circunstancial ocupante da presidência e participa de manifestações, cumprimenta o público, diz na tv que é histeria.
Também não adianta nada dispensar as pessoas do trabalho e da escola, se elas vão para a praia, o shopping ou pastar na esplanada (dos ministérios). Todos precisam se conscientizar de que precisam se isolar. É necessidade, é o único cuidado possível que podem ter para si e para os outros agora. A vida como a conhecíamos acabou. A nossa vida já mudou. Não tem mais retorno.
Empregadores (entes públicos e privados): liberem seus empregados para trabalhar remotamente! Muitos, país afora, ainda não liberaram os empregados para ficar em casa. Algumas áreas, como saúde e segurança, não dá… mas o resto, diante do cenário geral da pandemia, já deveria ter sido liberado. Não adianta fechar escolas, cinemas, teatros, museus, academias… e continuar exigindo trabalho presencial. Essas pessoas estão usando transporte público, encontrando outras pessoas, colocando a si e aos outros em risco.
Olhem para a Itália e seus 793 mortos num único dia. Olhem para a Espanha. Olhem para a Europa. Olharam? Aqui é Brasil! Quantas pessoas vocês acham que vão morrer nas próximas semanas? Olhem para a Europa. Acham que o SUS aguenta o que está por vir? Acham que a rede particular aguenta? Acordem! Acham que a economia aguenta? Fiquem em casa! Quase 200 milhões de pessoas estão em quarentena completa ou parcial na Europa. O vírus colocou uma parte importante do mundo em isolamento. Um exílio em suas casas, um exílio do contato social.
Dado o ritmo de progressão da doença nos últimos dias, há fortes indícios de que o Brasil caminha para receber um impacto maior do que a Itália. Esse problema não irá embora por mágica. Já passou da hora de interdição das autoridades que atrapalham, assim como de tomar medidas enérgicas que retardem a disseminação da doença e apoiem financeiramente as populações mais vulneráveis nos próximos meses.
Para vencer uma pandemia, as pessoas precisam confiar nos cientistas e nas autoridades públicas, e os países precisam confiar uns nos outros. Nos últimos anos, políticos irresponsáveis deliberadamente minaram a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional. Para prevenir uma catástrofe, precisamos reconquistar a confiança perdida. Não dá para vencer uma pandemia global com ideologias mofadas. O antídoto real é o conhecimento científico e cooperação global, não segregação.
Talvez as pessoas precisem de uma pandemia global para finalmente virar as costas para o anticientificismo, o negacionismo climático, as políticas de sucateamento do Estado e o populismo da segunda década do século 21. A pandemia nos definirá? Ela testa nossa confiança na ciência e coloca em xeque a relação entre lideranças políticas e seus cidadãos, justamente no momento em que essa relação está corroída.
A pandemia traz o pior e melhor da sociedade. Escancara a falta de escrúpulos de quem usa tal situação politicamente e daqueles que, ignorando os cientistas, colocam a população em risco em nome de um egoísmo mesquinho que flerta com o crime. A solidariedade deveria ser mais contagiosa que o vírus. O exílio é uma oportunidade única para a sociedade, fechada, olhar para si mesma e se examinar. Que tal reconstruir com mais responsabilidade social?
Não apenas o acesso à saúde precisa ser igualitário entre os cidadãos de um país, mas também entre os países. E não só a pandemia deve ser combatida num esforço conjunto dos governos, mas também a recessão econômica que virá. Esta crise é uma oportunidade para refletir e para questionar nossos padrões e comportamentos de consumo. Estamos presenciando fatos históricos e isso é muito cansativo, mas vamos sobreviver.
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